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SUMIDOURO

OS INDIOS DE SUMIDOURO

O índio sumidourense mais conhecido é certamente Peri, filho da fértil imaginação de José de Alencar. Este escritor romântico do século passado transcreveu em cenário tropical e sumidourense a mesma trama de dramas de tradição européia como Romeu e Julieta ou Tristão e Isolda. " O Guarani " é um marco da literatura brasileira mas não dá nenhuma informação sobre os silvicolas.

Apesar de não terem sido encontrados até hoje vestigios diretos da presença indígena em Sumidouro pode-se afirmar que a região foi habitada por grupos provavelmente nômades de Puris-Coroados. As aldeias deviam ser pequenas e efêmeras (de cinco a dez familias) pois a caça exige uma grande mobilidade e um territorio relativamente vasto. Os indígenas deviam viver preferencialmente em clareiras perto de rios e córregos importantes pois o abastecimento de água é fundamental para qualquer grupo humano.

Nos estudos relativos à história da região de de Cantagalo e Nova Friburgo (do qual Sumidouro fazia parte) vários historiadores como Affonso de Escragnolle Taunay, Herculano Mathias Gomes, Galdino do Valle Filho, José Silvestre Alves de Miranda, J. Conus e Pedro Curio, entre outros menos cotados, não se detiveram em seus estudos, a fazer uma análise mais demorada sobre os índios que habitaram primitivamente a região da fazenda do Morro Queimado (núcleo inicial de Nova Friburgo), apesar da clareza do Aviso de 3 dezembro de 1819 que explicitamente se refere à remoção daqueles índios, cuja transcrição do original, mantendo a grafia e estilo da época, fazemos a seguir :

" AVISO

El-Rei N. Senhor Manda remetter a V.S. por copia a Representação incluza que a Sua Augusta Prezença dirigio Monsenhor Miranda, Inspector da colônia dos Suissos: E He Servido que V. S. dê as providencias convenientes para serem removidos do sítio do Morro Queimado os Indios de que elle trata fazendo-os aldêar em Lugar proprio em que largando a vida errante, e habituando-se a viver do seu trabalho se tornem civilisados, e não haja risco de serem por elles offendidos aquelles colonos. O que participo a V.S. para que assim as execute. Deos Guarde a V.S. Palácio do Rio de Janeiro em 3 de Dezembro de 1819 - Thomaz Antonio de Villanova Portugal. - Sr. D. Manoel de Portugal e Castro. "

Ou seja, em outras palavras, os índios não poderiam molestar os novos colonos suiços e por esta razão deveriam ser removidos. De qualquer forma fica evidente a partir da leitura do aviso que as terras de Cantagalo selecionadas para a colonização oriunda do Cantão de Fribourg eram efetivamente ocupadas por índios, muito provavelmente os Puris-Coroados, que haviam fugido do litoral e se refugiado nas regiões de Serra-Acima, os quais por esta época já se encontravam em adiantado estágio de aculturação, apesar das características e condições de miserabilidade como viviam, conforme testemunho do mineralogista inglês John Mawe que em 1812 passou pela região publicando em seguida a obra intitulada " Travels in the interior of Brazil " (Viagens ao Interior do Brasil). Mawe era um amigo do Principe Regente D. João e sua vinda nas " terras do Cantagalo " objetivava um parecer sobre a existência de ouro na região.

Ressalvando-se as observações preconceituosas daquele viajante inglês, de que o índio é preguiçoso e pouco afeito aos trabalhos domésticos e da lavoura, vale a transcrição do texto de John Mawe, que nos permite fazer uma análise sobre os primitivos habitantes da região.

" Numa das muitas excursões nos arredores de Cantagalo, antes da minha visita à pretensa mina de prata, obtive alguns informes sobre os semi-civilizados aborígines do distrito, de um homem que se dedicava a procura da ipecacuanha e que é uma espécie de chefe entre eles. Habitam as florestas, em condições miseráveis ; suas moradas, algumas das quais visitei, são construídas de ramos de árvores, inclinados de forma a suportar o colmo ou teto de folhas de palmeira; os leitos, de capim seco. Possuindo poucos conhecimentos da lavoura, dependem, para sua alimentação, quase por completo, dos arcos e das flechas, e das raízes e frutos selvagens, que eventualmente encontrem nas florestas. O chefe a que me referi veio visitar-me, com cerca de cinquenta índios, visita que muito me agradou, pois me deu oportunidade de examinar suas feições e conversar com os poucos dentre eles que trocavam algumas palavras em português. Os homens vestiam colete e calças; as mulheres, camisa e saia, com um lenço amarrado em volta da cabeça, à moda das mulheres portuguesas. Tinham as características gerais da raça; a pele bronzeada, atarracados, rosto redondo, nariz chato, cabelo negro e liso, estatura regular, com tendência para o tipo baixo e musculoso. Desejoso de assistir à prova da sua perícia e precisão na pontaria, de que tanto ouvira falar, coloquei uma laranja a trinta jardas de distância, que foi atingida por todos que desfecharam seu arco contra ela. Apontei, a seguir, uma bananeira, com cerca de oito polegadas de diâmetro, a distância de quarenta jardas (uma jarda é igual a 914mm) ; nem uma só flecha errou o alvo, embora todos atirassem de ligeira elevação. Interessado nestas provas de atirar com o arco, acompanhei-os até a floresta, para vê-los abater pássaros; embora houvesse muito poucos, descobriram-nos bem mais depressa que eu; e rastejando cuidadosamente até chegarem à distância necessária para lançar a flecha, nunca deixaram de abater a caça. O silêncio e a rapidez com que penetravam nas noites e atravessavam o mato eram, na verdade, surpreendentes; nada me podia ter proporcionado idéia mais completa de sua maneira peculiar de viver. Fazem os arcos da madeira resistente e fibrosa da palmeira iri, com seis a sete pés de extensão, e muitos-fortes; as flechas têm seis pés de comprimento e aproximadamente uma polegada de diâmetro, sendo a ponta feita num pedaço de madeira em forma de pena, talhada com um osso, e ultimamente, de preferência, com ferro. Suas pessoas e seus hábitos são asqueroso : estão apenas um passo acima da antropofagia ; deveram quase todos os animais da maneira mais primitiva, como por exemplo, um pássaro sem as penas, semi-cru, com entranhas. Não são acanhados ou de caráter indolente, mas têm grande aversão ao trabalho. e não se consegue persuadí-los a submeterem-se a qualquer emprego regular. Raramente se encontra um índio servindo como criado, ou trabalhando por salário, e a esta circunstância atribui-se o atraso da agricultura no distrito. "

Como dissemos anteriormente, as afirmações de Mawe sobre os índios brasileiros são quase sempre preconceituosas e fundamentadas nas concepções etnocentristas, mesmo porque ainda eram completamente desconhecidas as teorias sobre a organização social dos índios, que somente vieram a ser estudadas em fins do século XIX, principalmente por Karl von den Steinen. De qualquer forma as observações não deixam de ter a sua importância para o estudo histórico.

A visão geral do inglês Mawe a respeito dos índios é acompanhada, com poucos acréscimos e algumas observações, por outros viajantes europeus que passaram pela região no século XIX.

O pintor françês Jean Baptiste Debret, por exemplo, procura enfatizar a " extraordinária habilidade do índio flechador ". A passagem de Debret pela região se deu em 1826, por ocasião da visita do Imperador Dom Pedro I, resultando o trabalho intitulado " Colonia Suiça de Friburgo ".

" Ficar assim de costas e lançar com todo o vigor uma flecha, de uma maneira quase incrível para nós, não passa para o caboclo de um simples exercício de destreza, oferecido à contemplação dos viajantes estrangeiros que o visitam. Ele escolhe sempre o menor de seus arcos para mostrar sua habilidade; em seguida, a fim de continuar a atrair a admiração dos espectadores, ele se levanta e, de pé, o corpo extremamente recurvado, arremessa sua flecha perpendicularmente. por cima da cabeça, de maneira a que recaia a seus pés, no interior de um círculo traçado no chão, em torno dele. Esses exercícios, sempre perfeitos, são bem conhecidos de quem percorre a região de Cantagalo. "

" Esses hábeis caçadores - diz Debret - são muito procurados pelos naturalistas estrangeiros que os utilizam como companheiros indispensáveis de suas excursões através das norestas virgens não somente a fim e obter os animais selvagens, cujos hábitos os índios conhecem perfeitamente, mas ainda para prover de alimentação toda a caravana. Basta, para isso, dividir com eles a pequena provisão de aguardente, tão útil aos caçadores, obrigdos a dormir ao pé das árvores durante as noites úmidas. "

Além de John Mawe e Debret outros viajantes europeus também passaram pela região no século passado mantendo contato com índios que a habitavam. Entre eles podemos citar o Príncipe Adalberto Ferdinando da Prússia lá pela década de quarenta, o Professor da Universidade de Halle, Herman Burmeister e Ida Pfeiffer, a quem Alberto Ribeiro Lamego chama de " mulher arrojadíssima " a Affonso de E. Tanunay de a " Globe Trotter " austríaca.

Apesar de nenhum desses três viajantes terem se referido explicitamente dos primitivos habitantes, suas anotações sobre os índios que viviam nas aldeias da região contribuem para o nosso estudo. Citando a " Globe Trotter " austríaca, A.R. Lamego observa : " O quadro que Ida Pfeiffer esboça numa frase é uma valiosa síntese da paisagem cantagalense no caminho de Friburgo: " Se algumas fazendas esparsas e alguns incêndios na floresta não nos lembrassem a presença do homem, poder-se-ia imaginar que se atravessava uma parte ainda inexplorada do Brasil "

" Essa mulher arrojadíssima que até ali fizera cinquenta e seis léguas à cavalo com um só empregado, é testemunho de reminiscências das mais expressivas da vida selvagem das Américas.

" À noite e ao clarão de fogueiras, assiste ao soturno ritual das danças indígenas dos Puris.

" Mas nessa fronteira da civilização como nas demais, já o aborígene se curvava ante a superioridade mental do colonizador. Aqueles poucos brancos rústicos, vanguardeiros da cultura, embora à mercê da terra bárbara serviam-se dos índios que, com o seu faro muito vivo se prestavam a descobrir os negros fugidos, trazendo-os de volta aos senhores "

Quanto ao Principe Adalberto (que se interessava principalmente à caça) e ao Professor Hermann Burmeister as informações acerca dos índios não se diferenciam muito do que já foi transcrito anteriormente, valendo assinalar que o principal contato dos dois viajantes europeus se concretizou na famosa Aldeia da Pedra, às margens do rio Paraíba.

PARA SABER MAIS

O HINO

O BRASÃO

O NOME

A CRIAÇÃO

A BIBLIOGRAFIA

BIOGRAFIAS

DESTRUIÇÃO DO PASSADO

No Brasil em geral, e em Sumidouro em particular, a conservação do patrimônio histórico não desperta o interêsse dos habitantes. Várias construções já foram destruidas por ignorância ou descaso e muitas estão em vias de destruição pelos mesmos motivos.

Um exemplo típico é a Capela do Nosso Senhor dos Passos que por ignorância foi "restaurada" destruindo o seu aspecto inicial. O pior neste tipo de "restauração" é que êle recolhe elogios de uma parte da população que considera o aspecto "restaurado" como "charmoso", "romântico", etc.

No caso da Capela do Nosso Senhor dos Passos (como da Igreja Matriz) o reboco serve de proteção contra a erosão pluvial e a lixiviação da argamassa que possui uma composição diferente da usada hoje em dia, pois ela é feita sem cimento e é especifica para paredes feitas com pedras de alvenaria irregulares. Esta técnica foi desenvolvida há cerca de mil anos atrás e, na Europa, muita igrejas construidas no século X ainda estão de pé porque o reboco nunca foi retirado. Pela primeira vez em 125 anos as paredes da Capelinha estarão desprotegidas diante das chuvas de verão e do clima "tropical chuvoso" de Sumidouro.

Seria bom se as pessoas que aprovam este tipo de "restauração" se perguntem por que a cidade de Sumidouro foi construida onde está, ou por que havia um reboco caiado de branco na Capelinha, ou por que a sua porta era pintada de verde. Na resposta a estas questões elas descobririam o valor do que nossos antepassados nos legaram.

O município vizinho do Carmo (ao qual Sumidouro estava ligado há cento e dez anos atrás) tem 35 anos de avanço comparado a Sumidouro pois a Igreja de Nossa Senhora do Carmo foi tombada no 23 de Janeiro de 1964.

Aspecto atual da Capela do Nosso Senhor dos Passos após a "restauração" (foto: Celso Machado). Para ver o aspecto original da Capela clique sobre a foto acima.